segunda-feira, 12 de junho de 2017

Intento

Essa palavra incompreendida, altiva
Morando entre as minhas vísceras
É uma faísca alucinante, acesa
Minha desventura presa
à garganta

Esse intento que morre à míngua
Repousa entre o pouso e o salto
É uma palavra bendita, inominável,
Perturbadoramente viva no meu peito

Seu plano mirabolante de fuga:
um salto para fora do mundo.






Um poema


Eu busco um sentido
Perdido entre meus cílios
E uma estrela de cor violeta
E uma flauta

E busco uma alegria
Em fogos de artifício
E um lago esverdeado
E uma canção de paz

Atrás das cortinas azuis
Nos bolsos das calças azuis
No céu cinzento um azul
De acalmar

Um poema


Tem um poema no meu peito
Escondido, ninguém o viu
Tem me deixado sem jeito
Inquieto e vil

Tem um poema no meu peito
Um rascunho estudantil
Truncado e com trejeito
De poema varonil

Me consome o corpo, a mente
Feito vela em seu pavio
E eu suspeito estar doente

Como um velho sobre o leito
Pois um poema intermitente
Vive e morre no meu peito

O lirismo, este senhor de ombros encurvados
Já não toca no meu mp3
O lirismo é um louco mal amado
Com seus bordões ultrapassados
Com sua velha embriaguez

Este senhor feio e malcheiroso
Sem endereço ou sobrenome
Não tá na lista do meu smartphone
Entre os contatos que eu salvei

Mas eu não sou de baixo tom
E minhas fotos no Leblon
Eu juro, compartilhei

Um poema por dia


Escrever diariamente um poema
Com a solenidade necessária
Exige mais que um bom esquema
Quem não planeja se atrapalha

Eu não sou moça de novena
Mas não me arrisco nessa praia
Já convivo com o meu dilema:
Usar short ou minissaia

Mas já aviso de antemão
Para reforçar a ideia passada
Que brinquei por pura ousadia

Há que se ter um plano mui bom
Pra não se perder na empreitada
De escrever um poema por dia.

Despedida


Naquela noite, acomodou a grande mala de cor caramelo na cômoda velha. Escolheu uma roupa quente para dormir e, após utilizar o chuveiro, deitou-se na cama de casal cujo cheiro não representava exatamente o aconchego que julgava merecer. Viu a chuva escorrer pela janela do pequeno quarto de hotel e, a despeito do pouco conforto e mau cheiro, sentiu-se ligeiramente bem. No dia seguinte, haveria de partir logo cedo. E o fez. No caminho para a pequena cidade remoeu as duras palavras de Camila: “preciso de um tempo só pra mim”; lembrou seu olhar de desprezo e pouca consideração por tudo o que já viveram. A moça o expulsara de sua vida abruptamente, com a crueldade legítima das mulheres que se bastam. Não a perdoaria, não mais. Acelerou o carro para aproximar a despedida. Haveria de vê-la pela última vez na cidade aonde se conheceram. Apegou-se ao simbolismo do lugar para então seguir livre, começar uma nova vida sem ela. Ao vê-la, mais tarde, não encontrou palavras. Ficou mudo. Sentiu um misto de raiva e ternura. Despediu-se e não olhou para trás. Saiu da estrada de terra levando consigo a mala caramelo vazia. O coração vazio. Na volta, mais adiante, hospedou-se no mesmo hotel barato. Acomodou a grande mala de cor caramelo na cômoda velha e tomou um banho para livrar-se do cheiro de sua ex. Não queria mais lembrá-la, não mais.

Quanto seres
Um único ser
É capaz de abrigar?

Uma face oculta
De esteta
Um mundo secreto
De poeta

Quantos universos
Um único ser
É capaz de criar?

No teu olhar arguto
De arcano
Eis o multiverso:
Soberano

Eternidade


quando eu me for
para além da matéria do mundo
meus olhos se dividirão
entre os caminhos da cidade

e eu verei outros olhos
que hão de nascer
e ascenderei um candelabro
de esperança

e a terra há de soluçar o meu nome
em prantos (os homens também).
e todas as estrelas e planetas
e todos girassóis e vaga-lumes

os senhores hão de anunciar
minha sina

os tolos assombrados temerão

mas de todo isto não será ruim
pois que a vida e a morte
os deuses e os homens
morrerão em mim

Exercício para ganhar tempo


Eu queria nesta tarde chuvosa
nem de alegria ou lamento
um pouco de urbanidade do tempo
e neste dia vinte e seis
outubro quase fim que é
deste ano que apressou o pé
um pouco mais de consideração
Do senhor de todas as horas
Peço todas as demoras
Não tenho pressa não

Contraproposta


meus ossos não serão zombados em palanque
nem minha cabeça servida em bandeja
vou embora dessa vida com fineza
quem nela não me quer que não me arranque
com socos pontapés e infantaria
não vale esse presépio o baixo custo
de mais e mais um dia!

quem nela não me quer que só me arranque
com a minha prévia autorização!
que vou embora sem almejar fineza:
a cabeça posta na mesa
ao lado do coração